Fiz aproveitando a luz que estava tão
bonita nesta manhã, quando filmei... e quando se mora num casarão de mais de cem anos, tudo é
inspirador. Este curta de bolso é mais um exercício do olhar, uma
brincadeirinha séria.
sábado, 3 de maio de 2014
EIKA KATAPPA – Werner Schroeter/1969.
A dor da morte... do esquecimento... da saudade. O cordeiro,
o anjo, e a Virgem. O anjo mata o cordeiro. A Virgem beija o cordeiro. O
Cordeiro sai andando feito homem e recria sua vida. As ressignificações dialéticas
nas passagens de tempo e ritos. O homem ressuscitado. Encenações entrecortadas
de lendas alemãs e também religiosas no subconsciente das imagens. A
dramatização da voz suavizada por encenações made in cinema mudo. A
sociedade é um enorme teatro de arena, acolhedora de representações
significativas das nossas vidas. Em algumas situações percebe-se a esmagadora
aflição que permeia o ser humano pelo ato de “estar no mundo”, como algo
desesperador. O esplendor das cenas como murmúrios de todas as paixões, onde
tudo cabe, menos a omissão.
Um dos melhores e mais profundo expoentes da Arte pela Arte
do Novo Cinema Alemão, EIKA TATAPPA é
uma grande celebração e contentamento em prol do estado (e ato) de “estar vivo”
com toda sua profundidade, vicissitudes, asperezas e leveza. Uma atmosfera
musical pontuada por retalhos de ações ao estilo de uma Nouvelle Vague. Neste
caso, o filme transborda sentimentos pela musica, através da musica... pela
imagem, através da imagem repleta de idiossincrasias. Uma leitura audiovisual
da forma em conformidade de uma câmera cumplice dos atos executados em cena. Acontece
a exaltação do ator. Magdalena Montezuma se sobressai em suas atuações, com
bastante expressividade e visível trabalho de interpretação e preparação
corporal. A então jovem atriz faz brilhar todos os sonhos estampados em seu
rosto num frescor de esperança que generosamente empresta ao filme de Schroeter
– seu amigo e diretor.
A lente objetiva compartilha as tensões e emoções
apresentadas pelas personagens. Guerras seculares das civilizações sintetizadas
em duetos ou tercetos pelos atores em cena. O sofrimento de maneira simbolizada
através dos gestos exagerados em atuações delirantes, porém, contundentes no
sentido de fuga da realidade e transbordante de verbalização incontida – o
extra cotidiano sob alegoria das formas. O controle social que esmaga o homem,
impedindo-o de atingir o patamar de Homo Ludens; mas Werner Schroeter insiste seguindo com
suas personagens ora morrendo, ora ressurgindo a toda força, porque “a vida é
muito preciosa, como agora”.
Em alguns pontos a sugestão da religiosidade emerge como
sintomas de arrependimentos, ou como fonte histórica de repressão dos sentidos.
Há leves referencias ao preconceito de gêneros com cenas de morte e ressurreições
incessantes como que indicando a queda do conceito binário existente e ainda
arraigado no imaginário da humanidade. Schroeter sugere um renascer constante
das ideias sobre a vida, refletindo também ao que se reflete à sua vontade de
realizar um novo conceito de cinema. Se a própria vida não é exatamente um
roteiro reto a ser seguido. Há planos que são mais ou menos realizáveis...
assim é a visão de realidade em EIKA KATAPPA, uma releitura sobre os
sentimentos mais secretos dentro da alma humana, cuja a música seria a única capaz
de fazer emergir.
Muitas cenas vêm acompanhadas de off’s, numa delas há uma
narração em prosa sobre o que a vida pode representar, argumentando que todos
os momentos são preciosos, mesmo os sentimentos não compartilhados entre os
amigos, os momentos de solidão e melancolia, mesmo às dores e misérias da alma.
Toda vida é preciosa.
A representação de uma esperança que morre pelo caminho
gritando e se contorcendo de tanto esperar pela iluminação das mentes e dos
corações humanos. Uma esperança personificada que agoniza no chão repetidamente
sob o off: “A vida é muito preciosa...”. Esta cena é entrecortada por outra – uma
dança numa espécie de cabaré, subentendendo-se que a vida está sob nossas
vistas e sentidos, cuja Dança nos confirma nossa capacidade de deslocar os
acontecimentos conforme o jogo estético (mais ou menos consciente). Então a
“esperança” morre, mas a estrada fica, ou seja, sigamos adiante mesmo com o
aparente vazio... sigamos!
EIKA KATAPPA parece uma enorme memória coletiva que
desencarna e deixa escapar no ar esses momentos sagrados que todos temos ao
longo de nossas vidas, porem não damos muita importância ou intensidade
adequada, por desatenção talvez, ou por inércia. Há os momentos solenes, os
momentos descontraídos, os momentos de sofrimento... mas em todos eles, o filme
sugere dançar, celebrar para não permitir que a deformidade da vida afronte o
espirito do homem que é livre... porém, se encontra momentaneamente aprisionado
e limitado a um corpo físico. O filme brinca com esses aspectos sensíveis
escondidos ou calados em nós, por força do cotidiano esmagador e sem poesia. A
poesia está em nós e devemos libertá-la... por isso a música, por isso
dancemos! Celebremos a vida...
As ressignificações humanas para aquilo que não encontra
comunicação objetiva dos pensamentos, dos sentimentos, desejos e vontades. A
exaltação da Arte como via expurgatória
das sociedades. A purificação do Ser através do conceito de Beleza
transfigurada e renascida pelas mãos humanas num ato de redenção da própria
espécie. Um abandonar e reatar contínuos desses estados de espirito ora
depressivos, ora de euforia, numa costura da vida coletiva, que Schroeter faz surgir
nesses retalhos entrecortados de musicas.
A exaltação da efemeridade e continuidade da vida. O esforço
dos versos imagéticos para diluir a dor em alegrias sonoras, significando as
passagens de animo e de esforço para vencer os obstáculos psíquicos inerentes
apenas à raça humana. Em sociedade a solidariedade é um esforço sobre-humano e o
arrependimento a força motriz para algo melhor. O próprio Schroeter aparece
dirigindo o ator numa cena, ambos ao lado de vasos. Os vasos que na liturgia
Cristã faz alusão ao recipiente do Espirito de Verdade – ou Espirito Santo, em
outra ramificação Cristã – e esse vaso é propenso de semeadura feita por cada
qual. Nessa cena simbólica e também metalinguística, Werner sintetiza seu filme
inovador e diferente, propondo que todos podem melhorar e recomeçar o gesto,
recomeçar e reinventar o viver. Desde que com entrega... porque “a vida é muito
preciosa, como agora”.
Katiuscia de Sá
Em: 09, 13 e 14 de abril, 2014.
Às: 01:40H.
Assinar:
Postagens (Atom)