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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
domingo, 1 de dezembro de 2013
A EFEMERIDADE ETERNIZADA
O cigarro é o melhor amigo do homem... não péra, tem outra
impressão mais adequada: tudo fica bem depois de uma trago de cigarro; aliás,
após vários maços acesos. O mais delicioso alimento pela manhã é uísque sem
gelo, no almoço: com gelo; no jantar: o coma alcoólico. A ansiedade e solidão afogados
no cigarro e bebedeira... o cigarro é o companheiro para todas as horas. Eu não
como, eu fumo... o cigarro é o melhor amigo do uísque. O uísque é o melhor
amigo da angustia. A angustia é a melhor companhia para o cigarro. O cigarro é
o melhor conselheiro. Acordar e dormir baganas. A hidratação do corpo com o álcool
(e não com água) faz sentir o ar mais puro das baganas acesas... Eu não penso,
eu fumo. Não durma, beba até desmaiar... Nas veias: fumaça; no cérebro: uísque.
Nos olhos: tristeza. Na mente: cigarros. Cafezinho preto aqui é pinto...
Meu incomodo maior ao assistir o filme MILLENNIUM MAMBO, (Taiwan/Japão, 2001),
dirigido pelo tailandês Hou Hsiao Hsien, nem foi o elevado índice de solidão,
vazio existencial, falta de perspectivas, incomunicabilidade, etc. retratados às
pitadas no filme, e sim as milhares cenas de pessoas (jovens em sua maioria)
estragando deliberadamente seus pulmões tragando cigarros e mais cigarros. Talvez
por eu ser asmática desde sempre, eu me desespere um pouquinho vendo pessoas "(auto)adoecendo-se" com o fumo (mesmo na ficção). A protagonista fumava sem parar. Esses
detalhes comportamentais que cercam as personagens são excelentes subsídios para
demonstrar o grau psicológico delas dentro da trama. Achei muito bem construído.
Demorei três dias para concluir este filme de uma hora e quarenta, essas cenas
me deixavam um pouco mal. Dava pausa no Play, e vasão à minha hiperatividade;
depois de horas retornava ao filme.
Sem muitos diálogos, a estória revela-se pelo puro comportamento
das personagens socadas em seus mundos sem perspectivas, reforçada pelos closes
e poucos planos conjuntos, trazendo o visceral estado de fuga que cada um se
encontra. A juventude perdida em
prostituição, drogas, individualidades cercadas de eletroeletrônicos, diversões
fúteis, paraísos artificiais sonorizados pela sofisticada, impessoal e metálica
musica eletrônica (que eu simplesmente amei!), assinada por Giong Lim. Pessoas
juntas, porém desconectadas umas das outras. “Quando sair o sol, o homem de
neve derrete...”, mas será que no caso de ‘Vicky’ (Shu Qi), o sol algum dia sairá detrás das nuvens (de fumaça)? Sem noção de sua vida; sobre o quê fazer; para onde ir; o quê esperar, ‘Vicky’
caminha num túnel, indiferente ao que possa encontrar no final dele. A narrativa
impessoal e distante dos fatos pode ser um indicio que sim,’Vicky’ superou seu
estado juvenil de ansiedade(?).
A estória é narrada no futuro do presente(?) ou particípio-passado(?);
na verdade são lembranças acontecidas no ano de 2001 contadas pela protagonista
em 2011, como se alertando que o mal do século do novo milênio alavancaria ao
quadrado esta incomunicabilidade emocional da juventude à flor da pele, que é
retratada no filme. Tudo explode, implode. Vagueia. Esse aspecto atemporal das
imagens com a narração vinda de um suposto futuro também sugere a magia que o
cinema proporciona ao capturar o instante para encantar plateias que contemplam
o que não mais é. “Cinema é a arte da ausência”, já dizia prof. João de Jesus
Paes Loureiro.
Mas algo próprio e primaveril aos adolescentes continua
mantido e guardado mesmo em meio aos percalços na vida senil das personagens: a
ingênua esperança, que também é significada nas cores, neons e brilhos espalhados
no caos e escuridão que rodeia ‘Vicky’ e ‘Hao-hao’ (Tuan Chun-hao). Impressão
esta reforçada no final do filme com o trio de amigos correndo e brincando
pelas ruas vazias de Yubarí (Japão). Eles brincam e conversam até deixarem a
paisagem livre, quando uns pássaros aterrissam e voam indiferentes ao frio... subjetivando
que quem tem asas, voa... apenas voa.
Katiuscia de Sá
01 de dezembro de 2013, às 00:33h.
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*Excelentes textos sobre o filme:
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
A ILHA
Talvez eu esteja errada, mas o ultimo longa-metragem paraense
que estreou em Belém do Pará nos últimos anos foi na década de 1960,
precisamente em 1965. Este feito aconteceu pelas mãos do cineasta paulista (erradicado
no Pará), Líbero Luxardo. E de lá para cá, nada mais nesse sentido. É certo que
temos na terrinha bons, e até excelentes realizadores veteranos e jovens que insistem
arriscar-se num Set com suas corajosas equipes de filmagem, e há
resultados de média e curtas metragens (de ficção e documentários) de boa
qualidade, sem dúvida.
Entretanto, não é tarefa fácil, quando um longa vinga sem
recursos e patrocínios financeiros, como é o exemplo de A ILHA, do jovem
cineasta/ator Mateus Moura. Mas em se tratando de Cinema, quando o filme tem algo a
dizer, ele encontra qualquer caminho viável para tornar-se realidade. O
espectador mais atento conseguirá extrair desta produção, o nível cultural e de
comprometimento com a linguagem e história do Cinema, ao qual a equipe possui e
emprega na produção do filme. Posso até mesmo dizer que Mateus ousou em
manter-se firme e fiel à sua estética pessoal, o que eleva seu filme ao status
de obra artística.
Eu já havia acompanhando os trabalhos de cunho experimental deste
carioca de vinte e cinco anos que reside no Pará há dezesseis. E acredito, que
assim como o encanto que se abateu no veterano Líbero Luxardo, Mateus também tenha
sido mundiado pelas misteriosas energias
que regem essas terras caboclas, aguçando ainda mais sua criatividade.
A ILHA – longa-metragem (62 min. Digital. Cor. Brasil. 2013), conta
uma estória de ficção tendo seu argumento e direção assinados pelo jovem
cineasta, que se baseou nas lendas registradas na Ilha de Cotijuba (onde o
filme foi rodado). Esses rumores surgiram à época do educandário “Nogueira de
Faria” que abrigava menores infratores, mesmo local que no período da ditadura
Militar, tornou-se instalação para presos políticos, gerando horror e desespero
nos moradores locais, cuja angustia atravessou o tempo em forma das lendas nas
quais se inspirou o diretor.
O que me encantou neste trabalho de Mateus Moura foi
observar a maturidade do então jovem diretor em manter seu estilo (que já se
observa o embrião em seus curtas experimentais anteriores). Neste trabalho mais
elaborado d’A Ilha há sequencias despretensiosas como apenas um balançar de
folhas no meio do mato cercado pelos sons dos passarinhos; a fachada ao longe de um cemitério solitário e
entristecido pelo arrastar das ondas que se ouvem quebrar; o casal protagonista
imerso no seu universo cotidiano sem pressa, gerando no publico o estado psicológico
necessário para absorção daquela realidade natural e despreocupada que ronda os
moradores ribeirinhos.
Há quem dissesse, após o termino do filme, que achou desnecessárias
essas breves sequencias “paradas”, que aparentemente “não dizem nada”. Percebi a
destreza na montagem ao mostrar no longa esse tempo mais lento que vivem os
moradores ribeirinhos (que também sugere haver naquele local um mistério e
misticismo rondando). Tudo sem palavras, sem forçação de barra, utilizando tão
somente as imagens. Já havia notado – e gosto muito – esse tempo mais sutil, ao
qual Mateus se vale nos seus trabalhos em audiovisual; certamente proveniente
da educação de seu olhar pelos filmes asiáticos acrescido pelo seu gosto
literário pessoal.
Outro ponto a referir-se na montagem, é a utilização do
recurso da metalinguagem. O sobrenatural rondando a vida do casal, sugerida através
da obra de ficção ao qual eles assistem no DVD. Uma narrativa sutil e bem construída.
Agradei-me bastante também da fotografia do filme (sob a direção de Rodolfo
Mendonça) e do aproveitamento máximo da beleza natural das locações. A trilha
sonora contribuiu para esboçar o clima nostálgico parado no tempo, com as musicas
antigas e de sonorização acanhada de radinho; a paisagem sonora também erguida nos
momentos certos. Em alguns trechos cujo recurso de Slow Motion fora utilizado contribui de sobremaneira para fortalecer
o mistério que ronda o lugar além de acentuar a angustia e tristeza vivenciadas
pelos protagonistas, devido a recente perda. O abafado lamento expressado na
sequencia em silencio da ida do casal ao cemitério para o sepultamento onde são
levados pelo cavalo puxando a carroça que os transporta... sequência que aliás
(acredito) fazer leve homenagem ao filme “O Cavalo de Turim” (2011), de Béla
Tarr e também ao maravilhoso clássico “A Carruagem Fantasma” (1921), de Victor
Stöström; filmes que certamente somam na educação visual e de estilos do
diretor.
Outro ponto positivo a se mencionar, em minha opinião, são
as atuações das atrizes Rosilene Cordeiro e Carine Ramos; interpretações sem exageros
e com bastante verdade. Mas acredito que o ponto máximo dessa produção
independente que estreou na terça-feira ultima (15/10) no circuito alternativo
de Belém/PA, está em apresentar para a sociedade audiovisual paraense estes
jovens talentos do cinema que, se por acaso não têm patrocínio e/ou
credibilidade suficiente para conseguir apoio cultural qualquer que seja, metem
a cara para a realização de um longa metragem. A equipe acredita em si e fez parir
o filme A Ilha com a dignidade de quem realmente confia no seu trabalho.
Umas limitações, que acredito terem surgidas pelo recurso
independente da produção, foi a captação do áudio um tanto abafada que dificultou
um pouco a compreensão do discurso de abertura do filme; e outro fator (de meu
inteiro gosto pessoal mesmo) que me desagradou foram os Fades [Out e In] de
imagem, utilizados em demasia. Mas isso em nada embota a dignidade do primeiro
longa metragem de Mateus Moura assistido pela produtora paraense Maria Preta,
em parceria com a INSULAR produções, Coletivo de Cinema Quadro a Quadro, e Coletivo de Cinema Miritismo.
Vida longa ao Cinema Paraense!
Vida longa ao Cinema Paraense!
Hellen Katiuscia de Sá
16 de outubro de 2013, 17:16h.
*Veja o Trailer
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
OS GÊNIOS TAMBÉM AMAM
O que acontece quando duas almas grandiosamente sensíveis e
possuidoras de genialidades diferentes ousam ligar-se uma à outra de uma forma
absolutamente integral? Além de transformarem-se mutuamente, transformam o
meio. E quando esse meio está às voltas de uma atividade artística, as explosões
de ideias e de emoções emergem com toda sua fúria e frescor gerando frutos que
cintilam e entram para a história da civilização como obras-primas.
Na Natureza, algumas paisagens são pintadas pela brutalidade
a ferro e fogo por conta de tempestades, tufões, cataclismos, terremotos... e
após essas devastações, algo surge trazendo a renovação de tudo. Um renascer
mais vigoroso, mais sólido, mais maduro. Assim aconteceu por coincidência(?), quando
duas almas se encontraram na Terra; se (re)conheceram e se entrelaçaram sem muito
saber que já nasceram para completarem-se desde sua criação quando ainda
transitavam no Invisível das coisas. Trouxeram consigo esse elo misterioso que
nos dá medo quando uma emoção inexplicável transborda nos olhos, e que também
nos faz temer, e mesmo diante das contradições, emerge a vontade de viver tudo intensamente
como uma chama revoltosa e magnificamente viva que consome quem um dia soube
realmente amar e ser amado por alguém.
Tanto o encantamento, quanto o medo do desconhecido, da
vontade de fugir de se entregar a algo assim tão grandioso e assustador – a descoberta
do Amor Verdadeiro em sua forma sublime, e também humana; em sua forma
virginal... a Primavera da vida na sua fase em botão... quando o Amor revela-se
para mentes brilhantes. Assim como o sentimento sublime une duas almas que se
completam, assim também as poderia separar(?); como aconteceu na trajetória das
vidas entrelaçadas entre os suecos Liv Ullmann (atriz) e o cineasta (e também
escritor, dramaturgo, diretor e produtor de cinema) Ingmar Bergman.
Recordar é viver? Neste caso, para Liv lembrar-se de sua
vida com Bergman, é transcender ao recorte do Tempo que tudo solda, resgata, confirma,
costura e rasga por dentro recordações e sentimentos não mais revoltosos e
apavorantes de solidões; incompreensões; ciúmes; abandono; superproteção;
companheirismo, cumplicidade... restando para a atriz, apenas uma saudade amadurecida.
Numa conversa, quase confissão para si mesma, o documentário
“LIV & INGMAR – UMA HISTÓRIA DE AMOR” (já disponível em DVD), sob delicada
direção de Dheeraj Akolkar, conduz o espectador comum (e fãs da Sétima Arte), a
um olhar oceânico sobre o que duas energias humanamente grandiosas, e
contrárias até certo ponto, puderam tecer de bom para o mundo do Cinema, e
também para seus desenvolvimentos pessoais e particulares enquanto Partículas
Divinas em evolução na Terra.
Ele – um Canceriano mergulhado em seu mar de emoções,
sensibilidades, possessividades, criatividade; um coração sensitivo – próprio aos
nativos de Câncer, do Zodíaco – signo da Água perdido em suas correntezas regidas
pela Lua, emotiva e imprevisível. Ela – um Sagitário, signo do Fogo, racional...
que adora liberdade e expansão. Uma combinação improvável pelos Astros. Se
juntos ficassem, seguiriam um consumindo implacavelmente o outro... mas, uma união
e cumplicidade possíveis apenas pelas mãos, braços e pernas misteriosas do
Amor. Assim foi. Aconteceram os conflitos esperados, até ambos encontrarem a
Liberdade e equilíbrio necessários. Após cinco anos casados e com uma filha, registro
sincero dessa união; Liv e Ingmar decidem dolorosamente viver suas vidas cada
um, porém o inexplicável elo perdurou até que Bergman seguiu primeiro naquela
Viagem inevitável para todos nós.
O documentário é bastante suave. Dheeraj Akolkar utiliza-se
de recursos intrigantes para ilustrar as passagens de vidas em comum do casal, narradas
por Liv Ullmann. Trechos de filmes encenados por ela e dirigidos pelo marido –
depois apenas pelo então amigo Bergman, dão luz e voz à imaginação das palavras
ditas pela atriz. Há também trechos lidos das cartas escritas pelo diretor
sueco à sua ruiva musa, as quais revelam o lado doce e temperamental de Ingmar.
Esse ponto me arrancou lágrimas de surpresa, emocionou- me muito... fiquei
feliz em saber do cineasta uma coincidência que também acontece comigo:
escrever cartas que segredam letras reveladoras de sentimentos. Às vezes
escrever é melhor do que falar. A palavra silenciosa do papel pode traduzir
mais os sentimentos densos, volumosos, às vezes não compreendidos pela força do
impulso; que se acaso fossem ditas, não seriam palavras tão verdadeiras como as
cumplices agarradas na caligrafia dum papel.
Outra passagem que também me fez chorar, foi no ponto do
filme onde tão singelamente Liv partilha com o publico sua hesitação quando
jovem, ao perceber-se apaixonada por Bergman. Ela (relatando bondosamente sua experiência
de vida) me fez compreender o que eu própria sinto por alguém, e me deu a
resposta. Por serem sensações nunca antes experimentadas, me causavam aflição na
iminência de me arrancarem lágrimas. Estar apaixonada e vencida ao ser
descoberta pelo Amor Verdadeiro de sua vida, realmente apavora, por causa do
desconhecido que inevitavelmente irá consumar-se, indiferente à sua vontade ou
não. O documentário “LIV & INGMAR – UMA HISTÓRIA DE AMOR”, além de trazer à
Luz pequenas generosidades que a atriz Liv Ullmann oferece e que satisfazem aquele
sentimento secreto de cumplicidade entre os amantes do Cinema com seus ídolos,
é também uma fonte inspiradora para acreditar que sim, o Amor Verdadeiro
(diferentemente do slogan da TIM...), realmente é sem fronteiras.
Katiuscia de Sá.
Escrito em: 10 e 11 de Outubro de 2013; às 03:23h.
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
curtametragem "Os óculos do Vovô"
=) Você sabia?
O MAIS ANTIGO FILME BRASILEIRO DE FICÇÃO, "Os Óculos do Vovô" (1913), foi dirigido por Francisco Santos, pai do grande filósofo Mário Ferreira dos Santos, o qual, aliás, interpreta o garoto do filme.sexta-feira, 2 de agosto de 2013
O LADO ESCURO DA LUA – “Black Moon”, de Louis Malle.
Num comentário rasteiro e ingênuo (e até grosseiro!), pode-se
resumir “Black Moon” (1975), de Louis Malle (1932-1995) como possível versão
inspirada (bem de longe, eu diria...) em “Alice no País das Maravilhas” (literatura
infanto-juvenil escrita no séc. XVIII por Lewis Carroll); ou resultado criativo
duma viagem psicótica após o fumo de algum matinho seco prensado; ou ainda como
possível portal para o mundo dos sonhos, aderindo ao filme características de
realismo fantástico; e só estas comparações já enquadram a obra do diretor
francês como surrealista devido o enredo ser de difícil acesso, já que as
personagens e suas ações (mais as diversas simbologias contidas no filme), não
ajudam muito: há uma velhota fofoqueira (Therese Giehse) estirada numa cama e que adora mamar nas
moças que aparecem à sua frente. A velha ainda atura um mucurão rabugento chamado
“Humphrey”, que vez por outra entra no quarto dela para escrotiá-la;
acrescido a isso há vários animais silvestres e de fazenda convivendo na maior
com os moradores de uma enorme casa de campo. Outro estranho personagem é um
unicórnio falante e presunçoso de medidas XGGG, pra lá de horroroso. Também há um
bando de criancinhas peladas correndo junto ora com ovelhas, ora com os
porcos... Há ainda dois irmãos – um rapaz e uma moça (Joe Dalessandro e Alessandra Stewart), que
se comunicam por meio sinestésico (que alguns críticos apontam como incestuosos
dentro da trama) – eu particularmente não vi indícios de relação incestuosa
alguma entre eles no filme, mas enfim... cada um vê o que quer. Os
acontecimentos se desenrolam imersos numa guerra fajuta entre homens e mulheres
se matando ao longo de uma estrada por onde a estúpida adolescente “Lily”
(Cathryn Harrison) foge até encontrar esta fabulosa casa de campo.
Há quem considere o filme de cozimento vagaroso – uma maniçoba
Light e sem sal (mas vale lembrar que
se trata de cinema de Arte, e por isso mesmo pede ao espectador dois
ingredientes surpresa para poder saboreá-lo: conhecimento e cérebro pensante). Não
achei o filme lento. Gostei; sobretudo dos takes
externos, pois achei a luz natural da paisagem lindíssima, ajuda a construir a
atmosfera onírica reforçada pelas cores pastéis ao ar livre. As filmagens
aconteceram em propriedade do próprio diretor, no sudoeste da França. A fotografia, assistida pelo sueco
Sven Nykvist, parceiro de Bergman, em muitos momentos lembrou-me
bastante as cores e atmosfera dos filmes absurdos de outro diretor genial e assumidamente
simbólico e feiticeiro – Jan Svankmajer, cujo trabalho misto em Stop Motion e Live Action eu adoro mesmo!
Confesso que as cenas ao ar livre de “Black Moon” me
deixaram bastante relaxada devido às tonalidades suaves e a proximidade dos
sons da Natureza, também me fizeram lembrar meus fugidios momentos travessos de
infância jogada no mato e enfiada na terra úmida, geladinha; uma beleza(!), quando
eu teimava em brincar com os animais
criados no quintal da casa de meus avós (depois disso eu sempre ficava mal com
alergia na pele e/ou asma devido à poeira, e ainda levava uma surra ou bronca
de meus pais biológicos, mas nunca me abstinha dessa diversão natureba).
Falando mais sério agora. “Lua Negra” é daqueles filmes que
requerem (mesmo) no mínimo, um entendimento médio que seja, sobre os códigos
linguísticos de variados campos do conhecimento, justamente por tratar-se de
uma obra cinematográfica que invoca o Surrealismo para estabelecer diálogo com
seu espectador. Para falar sobre o filme, vou resgatar alguns pontos-chave que
pude perceber, para ajudar a tecer conexões possíveis para compreensão do
inteligível.
Poucos filmes de Arte que assisti até hoje me parecem tão
herméticos, mas “Black Moon” de Louis Malle... JesusMariaJosé! É hermético
mesmo. E como as passagens secretas para estes mundos maravilhosos normalmente
estão na cara da gente, pela simplicidade. Frequentemente a chave da Porta está
escondida dentro de algum vaso do hall de entrada da casa... quem lembra do
principio básico sobre o equilíbrio do Universo sabe onde ir nesses casos. “Lua
Negra” prescinde conhecer um pouco sobre iconografias do Ocultismo; simbolismos
provenientes das religiões pagãs da Baixa Idade Média Nórdica; uns Dogmas
Católicos e um punhado de conhecimento de Psicanálise, e o ingrediente mais
importante (eu diria), estar aberto ao convite da viagem que o filme nos acena.
Como mencionei ainda pouco, alguns críticos consideram o filme lento demais, e por
isso cansativo. Acho que algo só é cansativo quando não há o entendimento ou
não nos permitimos construir uma ponte para tal.
A escassez de dialogo coerente aponta que (talvez) a
narrativa se dê exclusivamente através das ações das personagens e da
simbologia contida nisso; ou seja, pelo caminho sensorial puramente, e nada
mais. Sem enquadramentos performáticos ou utilização de recursos sofisticados
de câmera, ou efeitos especiais, ou música. O longa-metragem acontece pela via
do enigma. Um Tempo-Espaço psicológico da cabeça das personagens, e estes
(quase todos) sugerem possuir poderes místicos.
O primeiro link que consegui tecer nesta obra de Malle veio através
da associação do nome da personagem “Lily” com o titulo do filme; pois “Lily”
tranquilamente pode ser apelido/diminuitivo de “Lilith”, da antiga língua
hebraica, que segundo a mitologia babilônica (cujos relatos em figuras
esculpidas em terracota datam de cerca de 1.500-2.000 a.C), trata-se de um
demônio feminino que habita o inferno dos infernos (personagem também
mencionada na Cabala), sendo esta mesma figura revelada de maneira MUITO sutil
nos textos Bíblicos do Antigo Testamento de forma bastante dissimulada,
requerendo indicações contidas no livro de Ben-Sira para abstrair essa
compreensão. Aqui consta “Lilith” ser a primeira mulher criada por Deus, era
muito gostosona e sensual e ainda possuía asas, mas disputava com Adão a
igualdade entre os sexos, – a-há! seria ela a primeira feminista na história da
Humanidade a rebelar-se contra o sistema patriarcal? Inclusive tranquilamente fiz
essa leitura da disputa de igualdade entre os sexos quando vi a guerrilha entre
homens e mulheres no decorrer do filme de Louis Malle.
A primeira sugestão da existência de “Lilith” nas Escrituras
acontece na passagem da Gênese sobre a criação de Adão e Eva. Deus criou Adão e
de sua costela Ele criou sua companheira, porém foram duas tentativas do Divino.
A primeira fêmea criada foi “Lilith” e não Eva... sendo o segundo humano da
Criação [que também veio do pó da terra] uma criatura de aparência feminina,
mas com atitudes e instintos Alfa – comparados ao Homem –, e por isso mesmo uma
criatura independente/emancipada que não se submetia ao macho durante a relação
sexual e devido a isso foi rejeitada por ele; a terceira criação em forma humana que Deus fez – tendo
agora como matéria-prima a costela de Adão – foi Eva, e esta sim foi aceita
pelo homem como digna de ser sua companheira (pois mostrou-se submissa a ele) –
já traçando parâmetros com os dois irmãos do filme, podemos compreende-los com
essa alegoria, seriam eles uma versão fílmica moderna de Adão e Eva (mais sua
irmãzinha ovelha-negra da família – “Lilith”), que se formos ao pé da letra,
são irmãos quase univitelinos pois um foi criado por Deus, e também a outra do
pó da terra feito Adão e a terceira da costela do primeiro, sendo os três
filhos do mesmo Pai.
É interessante perceber outra pista velada desse triangulo
familiar, quando a mocinha estúpida “Lily” [que no inicio do filme está com
roupas e aparência de homem, sugerindo essa independência/rebeldia dela do
julgo masculino...] compreende que o nome dos dois irmãos também é Lily... É
coerente saber que a figura da primeira mulher da Criação é também a Serpente (algumas
pinturas da Renascença e esculturas sagradas da Antiguidade pagã deformam “Lilith”
com um busto feminino com asas e ancas de serpente; ou quando não uma figura
feminina que controla os animais, sobretudo as cobras – no filme de Malle há
passagens em que “Lily” se depara com algumas; e talvez explique a casa repleta
de bichos); e na Gênese é Lilith-serpente quem dá o fruto proibido à abestadinha
Eva para ela persuadir o sem-noção do Adão também ingerir o alimento.
O Bíblico Jardim do Éden a meu
ver pode tranquilamente ser alegoria da primeira infância do homem, quando tudo
é simples e sem sofrimentos onde lhes é oferecido os cuidados de um pai; e a
expulsão do casal deste lugar representa a passagem para o mundo adulto repleto
de angustias e ansiedades, pois agora é a fase da utilização do Saber e arcar
suas consequências. Após a ingestão do fruto da árvore proibida – que não à
toa, é chamada “Árvore da Vida e do Conhecimento do Bem e do Mal” –, Adão e Eva
“abrem seus olhos” (a Terceira Visão, talvez?) sendo expulsos do Jardim do Éden
(e “Lilith” também sai com o rabinho entre as pernas), e todos vão viver do
sustento de seu trabalho no campo – assim como os irmãos-Lily vivem no filme.
Outra
possível pista atribuída ao enlace harmonioso entre Adão e Eva e do momento em
que “acordam” seus sentidos por comerem o fruto proibido, sendo expulsos do
Jardim do Éden para o mundo perdendo sua condição eterna, é o texto poético que
a velha vigiada pelo mucurão dita através da boca de “Lily”, lá pelo meio do
filme; momento muito intenso, forte, bonito. Delicado, aliás. Acho que foi a
passagem do filme que mais gostei. Eis o texto:
“Esperança...
Esperança.
Noite de amor que nos rodeia.
Olhos, dias como lembrança em um só suspiro.
Unidos...
Unidos... em um só suspiro.
Mas... o dia se desvanece com todo seu brilho.
Toda poderosa morte – Mágica.
Mágica morte, que ameaça minha vida.
Como poderia?
Como poderia perecer o eterno?
Almejando a cegueira perpétua,
onde para sempre a esperam o amor e o êxtase.
Coração com coração.
Boca com boca.
Tudo é ilusão.
Liberte-nos desse mundo.
Sonho de eternas promessas.
Nossos corações anseiam...
E à morte,
os homens não chamaram bela e vã ilusão.
Doce e esperado anseio.
Nunca despertar.
Nunca temer.
Ali, sem nome.
Um ao outro, pertencendo.
Apenas com amor,
a fonte da vida”.
“Lilith” em algumas religiões sumérias pagãs era cultuada
como deusa da Lua e da fertilidade, com suas fases comparadas ao satélite da
Terra. Ou seja, a deusa era bipolar coitadinha... tinha suas fases boas (claro)
e ruins (escuro); daí a associação com o nome do filme, e com o próprio
comportamento oscilante de “Lily” na trama – comportamento aliás abertamente
contestado nas falas do unicórnio presunçoso. Há ainda a questão de “Lilith”
ter sido castigada por Deus devido a mesma não ter se submetido a Adão. Como castigo
ela sofreria abortos de cem filhos por dia e não seria capaz de criar seus próprios
rebentos caso eles vingassem, seriam todos órfãos na condição de pequenos
vampiros alimentados por carne crua e/ou sangue humano – seriam estes
representados pelo bando de criancinhas peladas no filme de Malle? Talvez. Há
uma pista disso, pois no filme essas criancinhas se alimentam de carne crua...
No final das contas, tanto Eva quanto Lilith representam as
faces femininas com suas fases lunares ora submissas, uns anjos... ora demônios
e cheias de fuleragens para com seus namorados/maridos/amantes. Devo seguir e
perseverar neste texto. Embora eu escreva somente sobre filmes (ou obras artísticas
que eu tenha gostado muito), confesso estar com baita preguiça para escrever
este aqui. Há muitos pormenores a costurar em “Lua Negra” para sua compreensão,
e de antemão decidi não discorrer sobre todos os retalhos para não quebrar o
encanto e independência da rede tecida pelos famintos espectadores. É bom dar apenas
a rede e ensinar a pescar..., pois o trabalho dignifica. E este texto não é único
nem definitivo falatório sobre o famigerado filme surrealista de Louis Malle.
Falemos agora da figura do unicórnio de medidas XGGG – um ser
mitológico e lendário com aparência de equino com um chifre em espiral cravado
no meio da testa. Na China Medieval era dito como símbolo régio de honestidade
e poder; tendo ainda autoridade para combater as injustiças cometidas pelos
homens e também possuir faculdade magica de engolir os eclipses do sol,
dissipando as Trevas. Seu chifre representa a espada de Deus, raio solar ou
flecha espiritual, a Revelação Divina. No Catolicismo representa a iconografia
do Dogma Máximo da virgindade de Maria (a mãe de Cristo), mulher comum
fecundada pelo Espirito Santo; o mesmo chifre também faz alusão ao seio materno de Maria que
alimenta o Menino-Deus com seu leite. Para os Alquimistas o chifre do unicórnio
representa a sublimação da sexualidade, sendo ele um falo psíquico e pela
sublimação dos desejos da carne também é visto como alegórica abertura do
Terceiro Olho – o portal psíquico que dá acesso ao Nirvana, o caminho possível para
decifrar os enigmas herméticos transformadores dos elementos brutos em ouro
(pureza máxima). É este unicórnio que “Lily” persegue mais da metade do filme,
e é ele quem dá algumas pistas à estupida mocinha para seu bem-viver, mesmo
assim a garota não é capaz de entender sua condição ou o que acontece ao seu
redor; agindo sobretudo, por impulso, atirando-se em direção aos seus erros e
acertos.
Engraçado que no final do filme “Lily” é persuadida a
alimentar o próprio unicórnio com seu leite juvenil. Seria talvez a alegoria da
incansável misericórdia de Deus em perdoar suas criaturas, trazendo-as de volta
à Luz – o ponto inicial da Criação? Pois como já foi dito em paragrafo acima, a
figura do unicórnio carrega o simbolismo do Fogo Divino e seus atributos. Algo
que modifica, suplanta, resgata; e por isso mesmo abre caminho para mudanças,
para novos horizontes, novos experimentos. Mesmo o titulo do filme se for
compreendido pelo viés astrológico, também sugere o caos que antecede as
mudanças (ou rito de passagem). Tudo sugere estar em transito, em mobilidade, abrindo possibilidades de que sempre podemos mudar, interferir no curso de nossas vidas para bem e melhor;
sem escaparmos contudo, das consequências das escolhas que nos levarão a esse
fim, pois no Universo as coisas são sempre equivalentes.
Hellen Katiuscia de Sá
Escrito em: 29 de
Julho; 01 e 02 de Agosto de 2013.
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BLACK MOON (Lua Negra) – Ficha Técnica:
Gênero: Drama
Direção: Louis Malle
Roteiro: Ghislain Uhry, Louis Malle
Produção: Claude Nedjar
Fotografia: Sven Nykvist
Trilha Sonora: Diego Masson
Duração: 100 min.
*Confira também outro excelente texto sobre o filme:
segunda-feira, 29 de julho de 2013
POSSESSÃO – quando perdemos a capacidade de enfrentar nossos sentimentos, geramos os fantasmas que nos sufocam.
Cinema de Arte. Com roteiro e direção do polonês Andrzej
Zulawski (1940), “Possessão” (1981) é um longa-metragem da estirpe e denominação
que os meninos da Nouvelle Vague inventaram
como sendo ‘cinema de autor’. O filme é sombrio, tenso, estranho, nervoso; profundamente
simbólico e cerebral, causando variadas reações psicofísicas no espectador
desavisado e desacostumado com tramas densamente psicológicas, devido ao nível de
angustia a todo instante apresentado no decorrer da estória; esse desconforto
aconteceu comigo ao assistir o filme há dois anos e meio mais ou menos, numa
sessão no Cineclube Alexandrino Moreira (Belém/PA).
Desde o inicio o clima misterioso que envolve a crise do
casal protagonista chega aos extremos de ápices e mais ápices em diversos níveis de tensões.
Tudo acontece em ritmo frenético, nervoso, sem pausas para respirar e digerir
as coisas [sensação genialmente aumentada pela utilização do recurso de steadicam e SC nas cenas de maior angústia].
Algumas delas – as que mais me impactaram – foram no nível cotidiano, onde nos é mostrado um
casal em crise de relacionamento, sendo que o pai tenta poupar o filhinho de
seis anos para não sofrer com os desentendimentos entre ele e sua esposa.
Apresentando conexões simbólicas complexas utilizadas pela
linguagem audiovisual (que em outro nível são ricamente mentalizadas na
linguagem da Literatura), podemos adentrar no psicológico das personagens e até
desmembrar algumas suposições, como por exemplo, classificar níveis de ação observados
na personagem “Anna” que dá mobilidade à trama, muito bem vivida pela atriz francesa
Isabelle Adjani, cujos fatos giram em tono. Consegui
enxergar três níveis de ações, são eles:
1º PESSOA) a cotidiana (a mãe,
esposa e dona de casa);
2º PESSOA) instinto latente da
mulher (com seus desejos de liberdade, dúvidas, contradições e também indivíduo
mais próximo do perfil humano com seus defeitos e qualidades);
3º PESSOA) o subconsciente dos
níveis anteriores (e diria a mais complexa e sombria, traço que traz o aspecto
sobrenatural e fantástico à trama, pois através desse nível – o psicológico em estado bruto – materializam-se as consequências das ações da
personagem guiada pelos níveis anteriores).
Estou tentando traçar esses
aspectos sensoriais mediante minha lembrança do filme (que assisti pela
primeira e única vez há uns dois anos e meio), e como o processo da lembrança assemelha-se
ao processo de montagem das cenas em um filme – pela prioridade das imagens e
sensações que mais nos são significativas e contribuem para compreensão da
narrativa – acho que o entendimento e profundidade dessa compreensão acerca do
teor apresentado na obra cinematográfica pode ser beneficiado; pois em se
tratando de Cinema, parto do pressuposto que as mensagens subliminares são
justamente perceptíveis e fixadas na memória pelo conjunto impactante, cujas
cenas e a intensidade delas exploradas pelo recurso da imagem, do som e do sensório
que o veiculo cinematográfico exerce no espectador, leva até ele os variados níveis
de mensagens contidas no filme, justamente porque o espectador faz conexões com
suas próprias memorias e cargas emotivas.
Conforme estudos de Psicanálise
desenvolvidos por Sigmund Freud, as representações tecidas pela mente são
análogas (físicas) e imagéticas (sensorial) onde através de redes associativas elas
se inter-relacionam e se organizam, por isso o recurso do Cinema pode explorar
com mais sucesso e alcance assuntos que seriam menos compreensíveis e
evidenciados se fossem apresentados pela via apenas da Literatura ou pela Fotografia,
ou Artes Plásticas, ou pela Dança ou Teatro; o Cinema utiliza as demais manifestações
artísticas como seus braços e pernas contribuindo para o aprofundamento e
abertura desse mundo inteligível que nos rodeia, porque o Cinema nos remete ao
nosso próprio alfabeto iconográfico interno (em estado latente) de maneira mais
rápida e muitas vezes inconsciente, daí a lembrança ser também um canal para a
maturação dessa compreensão.
Voltando à angústia de “Possessão”.
Eu me ausentei três vezes da sala de cinema quando o assisti (saí para vomitar), pois o nível
de tensão era tão sufocante para mim, que as reações psicofísicas foram
imediatas: dor de cabeça, mãos suadas, boca seca, falta de ar, dor de barriga, ânsia
de vômito, enjoos, sentimento de perigo iminente, tensão muscular, tonturas! Da
terceira vez que sai da sala de cinema eu realmente quase desmaiei, fui me esgueirando
pelas paredes. Fui ao lavabo do banheiro, me apoiei na pia e joguei bastante
água no rosto e nuca para me reabilitar a retornar ao filme, pois queria acompanha-lo
até o final. Sofri mesmo vendo esse filme... Pareciam até os sintomas preliminares
de uma Dengue iminente! Só para enfatizar: eu não estava doente nesse período. Acredito
que pelo fato de eu ser atriz e ter na bagagem inúmeros treinamentos psicofísicos
tanto para o nível da Dança quanto para o Teatro, minha sensibilidade esteja
mais dilatada, susceptível e disposta a captar essas nuances sensitivas exploradas
nas linguagens artísticas em geral (em especial pelo audiovisual), do que
acontece com pessoas que ainda não foram sensibilizadas a utilizarem seus
canais sensórios como vias de captação de níveis de realidade e para
compreender mensagens de nível inteligível; e justamente “Possessão” traz tudo
isso e algo mais.
O filme é histérico do inicio ao
fim, sem espaços de Paz... Fala sobre o casamento, sobre o relacionamento a
dois, do drama familiar mal resolvido, fala sobre o medo, arrependimento,
sentimento de culpa (remorso), cobrança, abandono e solidão, sobre desejo de
transformação. Além do mais, outros temas são abordados de maneira bastante
sutil, como (possíveis) fatores transversais responsáveis que interferem para o
inexplicável comportamento histérico e transloucado das personagens. Esses
fatores são pequeninas pistas dentro do filme, que para o espectador com olhar
mais dilatado, tornam possível fazer conexões com os diversos níveis de
controle social ao qual estamos expostos, cujas consequências são veladas, sendo
estas consequências manifestadas através do 3º nível de ação (como exemplifiquei
acima usando a personagem “Anna”).
O que Zulawski faz é justamente
materializar esse horror, esse ‘efeito colateral’ que o comportamento dentro do
que a sociedade justifica como de bom tom, acarreta nas pessoas. Todos temos
nossos monstros interiores, sendo que alguns indivíduos os acorrentam melhor do
que outros, e portanto vivemos sempre lado a lado com nossos fantasmas pessoais.
Alguns sujeitos tentam enfrenta-los; outros os abafam; há também aqueles que os
derrotam, mas num ou noutro caso, as consequências vêm à tona. E Zulawski
utiliza simbolismos/metáforas do audiovisual para nos instigar a raciocinar
sobre essas questões mal resolvidas, principalmente na esfera dos sentimentos
que povoam a instituição familiar.
Os ‘tentáculos’, que a certa altura são apresentados através
de uma criatura, em situação pra lá de bizarra, podem ser tranquilamente figurativos do poder de persuasão deste segundo ‘amante’ que “Anna” prefere (ou cede) para
se relacionar, deixando seu marido e seu primeiro amante se engalfinhando
enquanto ela se esbalda quase que escravizada e fora de si numa busca desesperada
por afeto/segurança/união estável (?).
Os longos tentáculos também sugerem que o segundo amante é mais
bem dotado (aqui entra meu tom sarcástico, ok!) e detentor de maior poder persuasivo
(promessas), pois faz com que “Anna” modifique sua personalidade e até abandone
seu filho para viver com a criatura – em alguns pontos do filme “Anna” vira “Helen”
uma professorinha meiga e controlada, nada haver com a imprevisível “Anna” em sua
tentativa desesperada de encontrar um parceiro que a satisfaça não apenas no nível
sexual, mas também a envolva, a enlace gerando segurança afetiva(?). Metáfora
fortalecida pelos atos simbólicos da moça quando ela mata pessoas e oferece como
comida suas vitimas para que o monstro cresça e tome forma (ou seja, sugere que
a personagem está disposta a passar por cima de tudo e de todos por algo que
ela acredita que vai dar certo, no caso a tentativa de relacionamento com esse
segundo amante, mesmo sendo ele um monstro...).
Minha leitura sobre essa fantástica aparição da criatura, é
que enquanto o marido e o primeiro amante se enfrentam, deixam a pobre “Anna” a
mercê do primeiro que a encontrar vulnerável (aí entra o simbolismo do monstro
asqueroso naquele ambiente em decomposição – também extensão da metáfora que
sugere a destruição/decadência da instituição familiar), pois em cenas
anteriores vemos “Anna” e seu marido “Marck” (interpretado pelo ator Sam Neill) em conflitos brutais, onde ele em nenhum momento
tenta compreender porque sua esposa o abandona; “Marck” ao invés de tentar
escutar os motivos que levam sua companheira ao sumiço, cobra dela uma
fidelidade já órfã do diálogo entre os dois, o que leva ao óbito o
relacionamento deles, pois sem diálogo (seja em que nível for), não há
relacionamento. A casa cai (ou toca fogo como sugere o final do filme), outra
metáfora: o fogo transformador dos elementos... o canal que purifica.
Em entrevista à época de seu filme, o diretor Zulawski disse
que se valeu de situações de seu próprio casamento para escrever o roteiro...
daí, percebe-se o poder de balsamo e cura que as Artes exercem tanto para quem
a faz quanto para quem a recebe. Contudo, “Possessão” entra na minha lista de
filmes que eu só assisto uma única vez, pelo fato de gerar em mim um tremendo
mal estar psicofísico. “Possessão” é como aquelas manifestações geniais que de
tão estranhamente belas e luminosas podem me cegar a vista, pelo fato de eu ser realmente muito frágil. No meu caso, basta contemplá-las
uma vez apenas, que o impacto é tão visceral capaz de me fazer enxergar as
coisas...
Hellen Katiuscia de Sá
29 de julho de 2013
03:19H da madrugada.
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POSSESSÃO
Ficha Técnica:
Ficha Técnica:
Gênero: Terror
Direção: Andrzej Zulawski
Roteiro: Andrzej
Zulawski, Frederic Tuten
Elenco: Heinz
Bennent, Isabelle Adjani, Margit Carstensen, Sam Neill
Produção: Marie-Laure Reyre
Fotografia: Bruno Nuytten
Trilha Sonora: Andrzej Korzynski
Duração: 80 min.
Ano: 1981
País: Alemanha / França
Cor: Colorido
Classificação: 18 anos
quinta-feira, 11 de julho de 2013
APJCC assina a Moção de apoio à greve estudantil da FAV-ICA
Universidade Federal do Pará – Faculdade de Artes Visuais
A ASSOCIAÇÃO PARAENSE DE JOVENS CRÍTICOS DE CINEMA se solidariza com os estudantes dos cursos de Bacharelado em Cinema e Audiovisual e Bacharelado em Museologia da Universidade Federal do Pará que, em assembleias realizadas nos dias 03/07/2013 e 04/07/2013, deliberaram pelo estado de greve estudantil que movimenta estudantes de ambos os cursos.
A partir das reivindicações levantadas pelo corpo discente, compreende-se a necessidade de levantar discussões acerca da real situação dos cursos de cinema e museologia da UFPa que, desde seu início, com o investimento do REUni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) perpassa por uma série de esperas e deficiências no que tange a estrutura de ensino.
Objetivando lutar por melhorias e esclarecimentos quanto às precariedades de ambos os cursos, juntamente com o corpo docente e os técnicos administrativos da faculdade, o corpo discente propõe a realização de atividades ligadas à arte que levem a um acordo entre reitoria e as demais partes já citadas, quanto à solução do atual quadro de ensino existente no Instituto de Ciências das Artes – ICA.
Oferecemos o compartilhamento de qualquer informação relevante no contexto da luta estudantil, a divulgação e o apoio nas atividades de greve a serem estabelecidas. Nos comprometemos, desta forma, a atuar nas manifestações junto aos corpos discente, docente e aos técnicos administrativos em busca da qualidade do ensino.
Moção de apoio à greve estudantil da FAV-ICA
09 de Julho de 2013
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