segunda-feira, 9 de abril de 2012

DIÁRIO DE BORDO: “CINEMA OLYMPIA – 100 ANOS DE MAGIA”

Agora são 01H13 a.m., finalmente consegui animo para escrever um pouco sobre particularidades e impressões individuais sobre o doc. “Cinema Olympia – 100 Anos de Magia”, claro que tudo está escrito de maneira bastante subjetiva. Antes de iniciar um projeto (seja em animação ou filme convencional), o roteirista, o diretor, e também a equipe devem ACREDITAR no trabalho, ou na história! Isso realmente é fundamental, pois não adianta o profissional ser talentoso, ter conhecimento das ferramentas e tal, se ele não acreditar na história a ser contada e também nos artifícios que serão utilizados, a coisa não flui e não ganha corpo.

A identificação primeira com a história e com os artifícios que se devem utilizar tem de estar combinado na essência da vontade de querer contar essa historia, tal como uma criança que se delicia ao brincar com um brinquedo e quer dividir isso com seu coleguinha. Faço essa comparação, pois na criação de um desenho animado é esse sentimento que é compartilhado na equipe de realização: temos essa vontade de terminar tudo e dividir essa magia com as outras pessoas (publico), portanto essa identificação com a história é primordial, pois esse sentimento vai delineando a vontade do profissional em querer produzir seu desenho da melhor maneira possível para que a história seja compreendida pelo publico.

Até hoje, e pela minha vida inteira, sempre serei grata aos meus avós que me contavam histórias durante meus seis aos dez anos de idade. Eram as horas mágicas do dia para mim: entre 17h às 18:00h eu sentava no colo de minha avó bem a frente da janela frontal da casa dela, e ela iniciava sua contação de histórias. E ali segura entre seus braços e o calor de sua proteção e amor, minha imaginação ia longe... era fantástico! Inigualável! Ainda chro de emoção e saudade quando me lembro desses momentos eternizados e guardados preciosamente, que sinto tanta falta... Meus avós que até meus 12/13 anos ainda confundia e os chamava de “pai” e “mãe”, por distração, pois passava mais tempo com eles...

Foram esses tempos que delinearam meu poder imaginativo e também a narrativa característica dos contos fantásticos que aparecem em meus escritos ficcionais (que trago para minha produção em audiovisual). De minha avó ganhei o apreço e respeito pelas narrativas do folclore local. E como a “janela mágica” dava para frente da casa onde havia um pequeno canteiro cheio de plantas, flores e aqueles tajás misteriosos um a cada lado da porta frontal, que escondiam os “índios míticos” que protegiam a casa (segundo as lendas indígenas), minha imaginação fluía harmoniosamente com os elementos visuais e sonoros, abrindo espaço para a associação dos sentimentos com os elementos visuais experimentados naquela ocasião pelas histórias contadas por vózinha (essa coerência visual, sonora e emotiva deve emergir durante a construção narrativa em animação).

Durante essas contações de histórias de minha avó, eu conferia outros valores e peso de compreensão aos elementos da realidade, conforme as histórias pediam. Isso me acompanha até hoje. Não perdi essa característica depois que me tornei adulta. Minha criança interior ainda vive, respira e reside em mim, e é essa criança que vem à tona quando o assunto é animação. Essa percepção dos fatos aproxima-se muito com o raciocínio do ator que faz Clown. A graça e ritmo da narrativa são interferidos por uma visão e compreensão não infantil, e sim lúdica, cheia de associações inusitadas, próprias do universo da mente ainda infantil que voa livre das convenções. É aí que a graça aparece, onde se pode brincar com os fatos apresentados sem perder a verossimilhança que deve ter com a realidade.

Meu avô também foi muito importante para delinear essa minha percepção das coisas. Seu horário de contar histórias a mim e ao meu irmão era diferente dos horários de minha avó. Normalmente íamos para o quintal, sentávamos num banquinho improvisado (como eu era menor em idade meu avô abrigava-me em seu colo também), então eu e meu mano ouvíamos do velho Bené (Benedito Benício de Sá, o nome de meu avô), suas demoradas palestras entre as 20:00h e 21:00h. Esse momento também era especial, pois aqui mais ainda, a percepção sensorial era acionada pelo vento da noite, pelo som dos grilos, pelos morcegos e corujas deitando suas vozes misteriosas para nosso assombro... e o céu respirando sobre nós três era igualmente emocionante e fantástico! Cada estrela crescia e apagava dentro da gente de acordo com as narrativas de vôzinho. Dele eu herdei tanto a imaginação quanto a memória descritiva das coisas que me interessavam visualmente.

Vovô também brincava muito comigo e meu mano, e trouxe para nós muito do universo mítico do sertão nordestino de onde ele veio (Catolé do Rocha). Vôzinho esteve muito presente na minha infância e de meu irmão. Além da oralidade das histórias, meu avô também gostava muito de ler para mim a coleção de Monteiro Lobato (Sítio do Pica-Pau Amarelo). Nós éramos bastante pobres na época, mas meu avô não dispensava comprar livros no sebo para nossa educação e também recreação. Foi ele quem me ajudou a desenvolver o gosto pela leitura, mas não por qualquer leitura. Ele era bastante seletivo com a qualidade do que ele dava para meu irmão e eu lermos. Hoje eu percebo a enorme importância dele e de minha avó para nossa educação e formação de caráter. Eu realmente agradeço muito a Deus por eles estarem presentes nessa fase tão importante e delicada para a formação de um cidadão. Eles foram os anjos-da-guarda para mim e meu irmão. Agradeço muito por isso...

Não foi fácil escrever esse relato, pois a cada passagem em que menciono meus avós eu me lembrava deles, parava de escrever e chorava bastante até retomar a escrita. Aposto que meu avozinho iria se orgulhar muito e se divertir com meus escritos, meus curtas e com esse documentário em animação. Ele sempre foi meu entusiasta, mesmo que o que eu fizesse não estivesse tão bom assim, ele sempre me incentivava a realizar meus devaneios... se eu dissesse: “vô eu quero tocar fogo na casa...”, ele certamente me responderia: “então descubra a melhor maneira para fazer isso!” Vôzinho sempre foi muito educado e delicado quando falava comigo e com meu mano; ele nunca nos repreendia, e sim nos incentivava a conhecer as coisas através de nossas próprias experiências individuais. Ele sempre nos abria o caminho para o conhecimento. Meus avós eram muito sábios, e nem se davam conta disso...

Por isso eu acredito em tudo o que eu faço, e isso mais do que talento é primordial para a criação artística: você acreditar no que você se propõe a fazer, descobrir os caminhos, percorrer os riscos, às vezes caminhar às cegas seguindo apenas sua intuição pode ser o caminho (como uma brincadeira de criança que eu adorava fazer: andar pela casa de meus avós com os olhos fechados e ouvir tudo ao meu redor... conseguia distinguir os passos de meus avós, de meu pai e de meu tio quando se aproximavam). Esse exercício infantil ajudou também a alargar minha percepção e dar a importância devida às sensações que uma imagem pode ganhar apenas com a ênfase do som – em cinema isso é mágico!

É incrível como tudo se delineia durante esse período de infância... para saber quem eu sou, basta eu recordar minhas raízes, e elas são fortes e bastante profundas: meus queridos avós! Escrever para cinema ou escrever contos é como narrar uma história para crianças, deve prender a atenção do espectador, e para isso deve haver os elementos: verossimilhança; identificação com o mocinho/a da história; fazer emergir alguma memória emotiva universal ao espectador; despertar outras fontes de percepção (seja pelo visual ou através da sonoridade); instigar emoções genuínas. No roteiro cinematográfico esses elementos até ganham outras nomenclaturas, mas o efeito é o mesmo, além é claro dos artifícios e apelos inerentes à linguagem do audiovisual. Esses são os temperos... mas o toque e combinação do Chef é que vão dar o gosto especial... eu adoro salada de frutas: muitos sabores e cores!

Katiuscia de Sá

08 de abril de 2012.

02H41 a.m.


PS: Assim que eu postar no youtube meu vídeo-diário de 28 minutos eu ponho aqui! Eu realmente estou acabada neste vídeo... af!

Nenhum comentário:

Postar um comentário