O que acontece quando duas almas grandiosamente sensíveis e
possuidoras de genialidades diferentes ousam ligar-se uma à outra de uma forma
absolutamente integral? Além de transformarem-se mutuamente, transformam o
meio. E quando esse meio está às voltas de uma atividade artística, as explosões
de ideias e de emoções emergem com toda sua fúria e frescor gerando frutos que
cintilam e entram para a história da civilização como obras-primas.
Na Natureza, algumas paisagens são pintadas pela brutalidade
a ferro e fogo por conta de tempestades, tufões, cataclismos, terremotos... e
após essas devastações, algo surge trazendo a renovação de tudo. Um renascer
mais vigoroso, mais sólido, mais maduro. Assim aconteceu por coincidência(?), quando
duas almas se encontraram na Terra; se (re)conheceram e se entrelaçaram sem muito
saber que já nasceram para completarem-se desde sua criação quando ainda
transitavam no Invisível das coisas. Trouxeram consigo esse elo misterioso que
nos dá medo quando uma emoção inexplicável transborda nos olhos, e que também
nos faz temer, e mesmo diante das contradições, emerge a vontade de viver tudo intensamente
como uma chama revoltosa e magnificamente viva que consome quem um dia soube
realmente amar e ser amado por alguém.
Tanto o encantamento, quanto o medo do desconhecido, da
vontade de fugir de se entregar a algo assim tão grandioso e assustador – a descoberta
do Amor Verdadeiro em sua forma sublime, e também humana; em sua forma
virginal... a Primavera da vida na sua fase em botão... quando o Amor revela-se
para mentes brilhantes. Assim como o sentimento sublime une duas almas que se
completam, assim também as poderia separar(?); como aconteceu na trajetória das
vidas entrelaçadas entre os suecos Liv Ullmann (atriz) e o cineasta (e também
escritor, dramaturgo, diretor e produtor de cinema) Ingmar Bergman.
Recordar é viver? Neste caso, para Liv lembrar-se de sua
vida com Bergman, é transcender ao recorte do Tempo que tudo solda, resgata, confirma,
costura e rasga por dentro recordações e sentimentos não mais revoltosos e
apavorantes de solidões; incompreensões; ciúmes; abandono; superproteção;
companheirismo, cumplicidade... restando para a atriz, apenas uma saudade amadurecida.
Numa conversa, quase confissão para si mesma, o documentário
“LIV & INGMAR – UMA HISTÓRIA DE AMOR” (já disponível em DVD), sob delicada
direção de Dheeraj Akolkar, conduz o espectador comum (e fãs da Sétima Arte), a
um olhar oceânico sobre o que duas energias humanamente grandiosas, e
contrárias até certo ponto, puderam tecer de bom para o mundo do Cinema, e
também para seus desenvolvimentos pessoais e particulares enquanto Partículas
Divinas em evolução na Terra.
Ele – um Canceriano mergulhado em seu mar de emoções,
sensibilidades, possessividades, criatividade; um coração sensitivo – próprio aos
nativos de Câncer, do Zodíaco – signo da Água perdido em suas correntezas regidas
pela Lua, emotiva e imprevisível. Ela – um Sagitário, signo do Fogo, racional...
que adora liberdade e expansão. Uma combinação improvável pelos Astros. Se
juntos ficassem, seguiriam um consumindo implacavelmente o outro... mas, uma união
e cumplicidade possíveis apenas pelas mãos, braços e pernas misteriosas do
Amor. Assim foi. Aconteceram os conflitos esperados, até ambos encontrarem a
Liberdade e equilíbrio necessários. Após cinco anos casados e com uma filha, registro
sincero dessa união; Liv e Ingmar decidem dolorosamente viver suas vidas cada
um, porém o inexplicável elo perdurou até que Bergman seguiu primeiro naquela
Viagem inevitável para todos nós.
O documentário é bastante suave. Dheeraj Akolkar utiliza-se
de recursos intrigantes para ilustrar as passagens de vidas em comum do casal, narradas
por Liv Ullmann. Trechos de filmes encenados por ela e dirigidos pelo marido –
depois apenas pelo então amigo Bergman, dão luz e voz à imaginação das palavras
ditas pela atriz. Há também trechos lidos das cartas escritas pelo diretor
sueco à sua ruiva musa, as quais revelam o lado doce e temperamental de Ingmar.
Esse ponto me arrancou lágrimas de surpresa, emocionou- me muito... fiquei
feliz em saber do cineasta uma coincidência que também acontece comigo:
escrever cartas que segredam letras reveladoras de sentimentos. Às vezes
escrever é melhor do que falar. A palavra silenciosa do papel pode traduzir
mais os sentimentos densos, volumosos, às vezes não compreendidos pela força do
impulso; que se acaso fossem ditas, não seriam palavras tão verdadeiras como as
cumplices agarradas na caligrafia dum papel.
Outra passagem que também me fez chorar, foi no ponto do
filme onde tão singelamente Liv partilha com o publico sua hesitação quando
jovem, ao perceber-se apaixonada por Bergman. Ela (relatando bondosamente sua experiência
de vida) me fez compreender o que eu própria sinto por alguém, e me deu a
resposta. Por serem sensações nunca antes experimentadas, me causavam aflição na
iminência de me arrancarem lágrimas. Estar apaixonada e vencida ao ser
descoberta pelo Amor Verdadeiro de sua vida, realmente apavora, por causa do
desconhecido que inevitavelmente irá consumar-se, indiferente à sua vontade ou
não. O documentário “LIV & INGMAR – UMA HISTÓRIA DE AMOR”, além de trazer à
Luz pequenas generosidades que a atriz Liv Ullmann oferece e que satisfazem aquele
sentimento secreto de cumplicidade entre os amantes do Cinema com seus ídolos,
é também uma fonte inspiradora para acreditar que sim, o Amor Verdadeiro
(diferentemente do slogan da TIM...), realmente é sem fronteiras.
Katiuscia de Sá.
Escrito em: 10 e 11 de Outubro de 2013; às 03:23h.
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