domingo, 1 de dezembro de 2013

A EFEMERIDADE ETERNIZADA


O cigarro é o melhor amigo do homem... não péra, tem outra impressão mais adequada: tudo fica bem depois de uma trago de cigarro; aliás, após vários maços acesos. O mais delicioso alimento pela manhã é uísque sem gelo, no almoço: com gelo; no jantar: o coma alcoólico. A ansiedade e solidão afogados no cigarro e bebedeira... o cigarro é o companheiro para todas as horas. Eu não como, eu fumo... o cigarro é o melhor amigo do uísque. O uísque é o melhor amigo da angustia. A angustia é a melhor companhia para o cigarro. O cigarro é o melhor conselheiro. Acordar e dormir baganas. A hidratação do corpo com o álcool (e não com água) faz sentir o ar mais puro das baganas acesas... Eu não penso, eu fumo. Não durma, beba até desmaiar... Nas veias: fumaça; no cérebro: uísque. Nos olhos: tristeza. Na mente: cigarros. Cafezinho preto aqui é pinto...

Meu incomodo maior ao assistir o filme MILLENNIUM MAMBO, (Taiwan/Japão, 2001), dirigido pelo tailandês Hou Hsiao Hsien, nem foi o elevado índice de solidão, vazio existencial, falta de perspectivas, incomunicabilidade, etc. retratados às pitadas no filme, e sim as milhares cenas de pessoas (jovens em sua maioria) estragando deliberadamente seus pulmões tragando cigarros e mais cigarros. Talvez por eu ser asmática desde sempre, eu me desespere um pouquinho vendo pessoas "(auto)adoecendo-se" com o fumo (mesmo na ficção). A protagonista fumava sem parar. Esses detalhes comportamentais que cercam as personagens são excelentes subsídios para demonstrar o grau psicológico delas dentro da trama. Achei muito bem construído. Demorei três dias para concluir este filme de uma hora e quarenta, essas cenas me deixavam um pouco mal. Dava pausa no Play, e vasão à minha hiperatividade; depois de horas retornava ao filme.

Sem muitos diálogos, a estória revela-se pelo puro comportamento das personagens socadas em seus mundos sem perspectivas, reforçada pelos closes e poucos planos conjuntos, trazendo o visceral estado de fuga que cada um se encontra.  A juventude perdida em prostituição, drogas, individualidades cercadas de eletroeletrônicos, diversões fúteis, paraísos artificiais sonorizados pela sofisticada, impessoal e metálica musica eletrônica (que eu simplesmente amei!), assinada por Giong Lim. Pessoas juntas, porém desconectadas umas das outras. “Quando sair o sol, o homem de neve derrete...”, mas será que no caso de ‘Vicky’ (Shu Qi), o sol algum dia sairá detrás das nuvens (de fumaça)? Sem noção de sua vida; sobre o quê fazer; para onde ir; o quê esperar, ‘Vicky’ caminha num túnel, indiferente ao que possa encontrar no final dele. A narrativa impessoal e distante dos fatos pode ser um indicio que sim,’Vicky’ superou seu estado juvenil de ansiedade(?).

A estória é narrada no futuro do presente(?) ou particípio-passado(?); na verdade são lembranças acontecidas no ano de 2001 contadas pela protagonista em 2011, como se alertando que o mal do século do novo milênio alavancaria ao quadrado esta incomunicabilidade emocional da juventude à flor da pele, que é retratada no filme. Tudo explode, implode. Vagueia. Esse aspecto atemporal das imagens com a narração vinda de um suposto futuro também sugere a magia que o cinema proporciona ao capturar o instante para encantar plateias que contemplam o que não mais é. “Cinema é a arte da ausência”, já dizia prof. João de Jesus Paes Loureiro.

Mas algo próprio e primaveril aos adolescentes continua mantido e guardado mesmo em meio aos percalços na vida senil das personagens: a ingênua esperança, que também é significada nas cores, neons e brilhos espalhados no caos e escuridão que rodeia ‘Vicky’ e ‘Hao-hao’ (Tuan Chun-hao). Impressão esta reforçada no final do filme com o trio de amigos correndo e brincando pelas ruas vazias de Yubarí (Japão). Eles brincam e conversam até deixarem a paisagem livre, quando uns pássaros aterrissam e voam indiferentes ao frio... subjetivando que quem tem asas, voa... apenas voa.


Katiuscia de Sá
01 de dezembro de 2013, às 00:33h.
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*Excelentes textos sobre o filme:


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