quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A ILHA



Talvez eu esteja errada, mas o ultimo longa-metragem paraense que estreou em Belém do Pará nos últimos anos foi na década de 1960, precisamente em 1965. Este feito aconteceu pelas mãos do cineasta paulista (erradicado no Pará), Líbero Luxardo. E de lá para cá, nada mais nesse sentido. É certo que temos na terrinha bons, e até excelentes realizadores veteranos e jovens que insistem arriscar-se num Set com suas corajosas equipes de filmagem, e há resultados de média e curtas metragens (de ficção e documentários) de boa qualidade, sem dúvida.

Entretanto, não é tarefa fácil, quando um longa vinga sem recursos e patrocínios financeiros, como é o exemplo de A ILHA, do jovem cineasta/ator Mateus Moura. Mas em se tratando de Cinema, quando o filme tem algo a dizer, ele encontra qualquer caminho viável para tornar-se realidade. O espectador mais atento conseguirá extrair desta produção, o nível cultural e de comprometimento com a linguagem e história do Cinema, ao qual a equipe possui e emprega na produção do filme. Posso até mesmo dizer que Mateus ousou em manter-se firme e fiel à sua estética pessoal, o que eleva seu filme ao status de obra artística.

Eu já havia acompanhando os trabalhos de cunho experimental deste carioca de vinte e cinco anos que reside no Pará há dezesseis. E acredito, que assim como o encanto que se abateu no veterano Líbero Luxardo, Mateus também tenha sido mundiado pelas misteriosas energias que regem essas terras caboclas, aguçando ainda mais sua criatividade.

A ILHA – longa-metragem (62 min. Digital. Cor. Brasil. 2013), conta uma estória de ficção tendo seu argumento e direção assinados pelo jovem cineasta, que se baseou nas lendas registradas na Ilha de Cotijuba (onde o filme foi rodado). Esses rumores surgiram à época do educandário “Nogueira de Faria” que abrigava menores infratores, mesmo local que no período da ditadura Militar, tornou-se instalação para presos políticos, gerando horror e desespero nos moradores locais, cuja angustia atravessou o tempo em forma das lendas nas quais se inspirou o diretor.

O que me encantou neste trabalho de Mateus Moura foi observar a maturidade do então jovem diretor em manter seu estilo (que já se observa o embrião em seus curtas experimentais anteriores). Neste trabalho mais elaborado d’A Ilha há sequencias despretensiosas como apenas um balançar de folhas no meio do mato cercado pelos sons dos passarinhos;  a fachada ao longe de um cemitério solitário e entristecido pelo arrastar das ondas que se ouvem quebrar; o casal protagonista imerso no seu universo cotidiano sem pressa, gerando no publico o estado psicológico necessário para absorção daquela realidade natural e despreocupada que ronda os moradores ribeirinhos.

Há quem dissesse, após o termino do filme, que achou desnecessárias essas breves sequencias “paradas”, que aparentemente “não dizem nada”. Percebi a destreza na montagem ao mostrar no longa esse tempo mais lento que vivem os moradores ribeirinhos (que também sugere haver naquele local um mistério e misticismo rondando). Tudo sem palavras, sem forçação de barra, utilizando tão somente as imagens. Já havia notado – e gosto muito – esse tempo mais sutil, ao qual Mateus se vale nos seus trabalhos em audiovisual; certamente proveniente da educação de seu olhar pelos filmes asiáticos acrescido pelo seu gosto literário pessoal.

Outro ponto a referir-se na montagem, é a utilização do recurso da metalinguagem. O sobrenatural rondando a vida do casal, sugerida através da obra de ficção ao qual eles assistem no DVD. Uma narrativa sutil e bem construída. Agradei-me bastante também da fotografia do filme (sob a direção de Rodolfo Mendonça) e do aproveitamento máximo da beleza natural das locações. A trilha sonora contribuiu para esboçar o clima nostálgico parado no tempo, com as musicas antigas e de sonorização acanhada de radinho; a paisagem sonora também erguida nos momentos certos. Em alguns trechos cujo recurso de Slow Motion fora utilizado contribui de sobremaneira para fortalecer o mistério que ronda o lugar além de acentuar a angustia e tristeza vivenciadas pelos protagonistas, devido a recente perda. O abafado lamento expressado na sequencia em silencio da ida do casal ao cemitério para o sepultamento onde são levados pelo cavalo puxando a carroça que os transporta... sequência que aliás (acredito) fazer leve homenagem ao filme “O Cavalo de Turim” (2011), de Béla Tarr e também ao maravilhoso clássico “A Carruagem Fantasma” (1921), de Victor Stöström; filmes que certamente somam na educação visual e de estilos do diretor.

Outro ponto positivo a se mencionar, em minha opinião, são as atuações das atrizes Rosilene Cordeiro e Carine Ramos; interpretações sem exageros e com bastante verdade. Mas acredito que o ponto máximo dessa produção independente que estreou na terça-feira ultima (15/10) no circuito alternativo de Belém/PA, está em apresentar para a sociedade audiovisual paraense estes jovens talentos do cinema que, se por acaso não têm patrocínio e/ou credibilidade suficiente para conseguir apoio cultural qualquer que seja, metem a cara para a realização de um longa metragem. A equipe acredita em si e fez parir o filme A Ilha com a dignidade de quem realmente confia no seu trabalho.

Umas limitações, que acredito terem surgidas pelo recurso independente da produção, foi a captação do áudio um tanto abafada que dificultou um pouco a compreensão do discurso de abertura do filme; e outro fator (de meu inteiro gosto pessoal mesmo) que me desagradou foram os Fades [Out e In] de imagem, utilizados em demasia. Mas isso em nada embota a dignidade do primeiro longa metragem de Mateus Moura assistido pela produtora paraense Maria Preta, em parceria com a INSULAR produções, Coletivo de Cinema Quadro a Quadro, e Coletivo de Cinema Miritismo.

Vida longa ao Cinema Paraense!


Hellen Katiuscia de Sá
16 de outubro de 2013, 17:16h.

*Veja o Trailer



4 comentários:

  1. Perfeito tudo o que penso e sinto sobre essa obra.Eu queria ter escrito tudo isso porque justamente pensei quase o mesmo. Vida longa ao Cinema Paraense MESMO!!!

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  2. Obrigada Tiago. Texto totalmente motivado e inspirado pela minha admiração do filme de Mateus. Um artista inspirando o outro. Acho legal essa troca. Parabens a todos os envolvidos!!!!

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