segunda-feira, 1 de outubro de 2012

UM PARTO SOFRIDO GERA UM PRÓDIGO FILHO



Um realizador de cinema deve compreender que seu filme será posto à prova desde o inicio da ideia que originou seu roteiro até o momento da montagem final. Esse será o caminho natural e invisível que todo realizador adentra quando escolhe trabalhar com esse tipo de linguagem artística: a cinematográfica. Daí ele saber exatamente o que pretende dizer com seu filme e para quem dizer (para si ou para o publico). As soluções estéticas e tudo mais resultarão dessa primeira resposta individual, e provavelmente também a partir daqui se delineará a autonomia criativa do diretor que aparecerá de um jeito ou de outro como sua assinatura nos próximos trabalhos.

Existem meandros tênues que perpassam todo o processo de realização. Vêm os ‘tratamentos’; a primeira decupagem (a segunda, a terceira, e quantas forem precisas); os demais ‘tratamentos’; a escolha da equipe e das locações; a escolha dos equipamentos que irão convergir na captura das imagens e no enquadramento plástico das mesmas; da estética que o diretor do filme quer alcançar junto à sua equipe; a escolha dos atores; se decide mostrar (ou esconder) a ação ou apenas sugeri-las nas cenas, etc.

Entretanto, essa parte ‘física’ do negocio não é exatamente a que mais importa para o realizador/diretor atentar em demasia, pois são procedimentos padrões que qualquer pessoa com o mínimo de organização e referencias administrativas e com uma equipe (até mediana), pode fazer.

A linguagem secreta do cinema está justamente naquilo que não se estuda para o roteiro que se está sendo feito... e daí se diz ‘secreta’. O cinema é o bebê das linguagens artísticas, por assim dizer, entretanto, é um bebê superdotado, sagaz, imaginativo e hiperativo... e como um bebê que se descobre a si mesmo, ele suga tudo e mescla tudo e experimenta tudo e divide tudo e remexe tudo como uma verdadeira maquina de reciclagem ou como se estivesse brincando com uma massinha de modelar (um de meus passatempos favoritos quando criancinha).

E para que essa transformação alcance o cérebro de seu realizador, este deve aprender a ‘compreender’ essa linguagem secreta educando-se visualmente, espiritualmente, culturalmente, filosoficamente, transcendentalmente, criativamente assistindo filmes de diferentes categorias, abolindo o preconceito de gêneros e temas sem abolir, porém, o senso crítico, e adquire-se isto através de leitura sobre as ferramentas do audiovisual através de livros técnicos, da biografia dos grandes cineastas, do ABC dos primórdios do cinema (truques experimentos de filmagens e montagens de outrora), bem como fazer, filmar, experimentar. Afinar a poderosa lente que dispomos: educar o olhar. Não exatamente os olhos do corpo, e sim os olhos da Alma.

A linguagem do cinema é misteriosa, infinitamente subjetiva. Ela mescla tudo o que já conhecemos (em termos de ferramentas e abordagens artísticas, e vai além: vale-se de todo tipo de suporte e adágios para compor cada silaba que o audiovisual necessita para passar ao espectador suas mensagens). Existem diversas camadas de compreensão e profundidade... algo como as próprias realidades paralelas admitidas pela Física Quântica.

(Seria uma nova forma de comunicação para entes de níveis mentais mais elevados que habitam neste Planeta? Onde as torrentes dialógicas alcançáveis, subjetivas e até inalcançáveis estão dispostas para todo tipo de mente? Onde a compreensão das coisas e da vida dar-se-á através quase que exclusivamente pelo audiovisual? Isso me instiga...).

Um roteiro de cinema é o paradoxo em pessoa: ele é escrito para não ser comunicativo (na integra), é a linguagem artística que mais se aproxima da humana sem retalhos ou cortes: precisamos vê-la e presenciá-la para alcança-la (no mínimo) o que se deseja expressar. São acionados todos os sentidos para que a mensagem seja elegível.

E o que acho mais fantástico é a inversão de realidade quando um filme começa pelo seu embrião: da concepção do roteiro até o filme finalizado, a realidade palpável (física mesma) é transferida para o mundo subjetivo: o realizador e sua equipe por alguns momentos são ‘teletransportados’ para a realidade vital e virtual do filme em concepção, como se estes elementos (nós) fossemos a subjetividade do filme e este a realidade Real em questão (ficou claro?). O infinito que se toca, a serpente que abocanha o próprio rabo: o Uroboros.

Enfim: cruzam-se os universos paralelos nesse ‘criar’ artístico, de modo que nossas mentes se ‘abrem’ para algo superiormente maior... As fases da pré-produção à pós-produção abraçam-se no consciente e inconsciente que norteiam as pessoas que o fazem, a comunhão em prol de algo: abre-se um portal, um elo de ligação com a face imortal que carregamos cada um, entretanto que necessita de um espelho especial para seu refluxo: o cinema.

Eis a linguagem secreta do cinema (apenas a ponta do iceberg, pois ela se manifesta ainda mais em sua integridade quando num Set de filmagem os núcleos são compatíveis com a mente do diretor, e convergem para uma mesma harmonia; acredito ser essa a eterna busca do filme perfeito. Como um surfista persegue a onda perfeita; o diretor almeja uma equipe perfeita que o compreenda na íntegra... claro que isso é difícil – não impossível – e esta particularidade também serve como a busca pela face de Deus dentro de cada um durante a gestação do filme, e será essa face que se mostrará na obra finalizada que o publico contemplará na telona).

Fazer um filme é um exercício mental mais avançado. Como no teatro, onde o ator se exercita para lubrificar sua maquina representativa, sua tela que é seu corpo psicofísico; seus exercícios de treinamento pessoal do ator não são vistos nem sabidos ou compreendidos pela plateia, mas influenciam no alcance e valor de sua atuação, o mesmo se dá com o filme dos diretores que mantem suas mentes e espíritos repletos de movimento (energético) cuja luz refletir-se-á na projeção, essa é a Alma existente nos filmes que ganham vida.


Hellen Katiuscia de Sá
12:19 PM
*Escrito entre: 28/09 e 01/10/12, em jejum na penumbra do meu quarto, às vezes com impressão de uma luz incidental atrás de mim. (especificações: luz suave, porém, intensa que abarca toda sala conferindo alguma presença). 
[corte seco].

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